quinta-feira, 2 de julho de 2009

ESCONDERIJO PERDIDO

Já faz 10 meses que fui informada de ser portadora de câncer. Dez meses de mudanças na rotina de vida, mas muito poucas mudanças dentro de mim. Digo isso não por desdenhar das lições que poderia aprender, mas por considerar que já as estava aprendendo muito antes desse mal se manifestar.
Aí entram os grupos. Estou sempre sendo aconselhada a participar de grupos de pessoas que atravessam dificuldade semelhante e quando estou neles constato que é imperativo revelar sentimentos semelhantes aos daquelas pessoas, se não, a reação é sempre de descrença, de desvalorização das minhas falas.
Naturalmente que me vi descrita em muitos dos comportamentos que constituem o "perfil padrão" da pessoa com câncer (reducionismo em que custo a crer, porque sei da vida de pessoas maravilhosas, isentas das quisilas que definem o perfil dos portadores de câncer e que ainda assim morreram ou estão vivendo com essa doença).
Mas não consigo me ver no "perfil padrão" das reações diante da doença. E aí sinto de novo essa sensação de inadequação, de não fazer parte. E é uma sensação que advém não só da não identificação com o jeito de lidar com a doença, mas que advém da reação negativa às minhas colocações nos grupos.
Estar junto com pessoas é para mim o melhor exercício de existir. Sinto-me muito animada em dias de encontros com grupos, mas quando o encontro é 'terapêutico', não raro, saio com uma sensação desconfortável.
Eu não acredito em morte como fim da vida, de verdade. Então, porque temê-la? Ela virá, apesar dos meus medos. E os tenho muitos. Mas meus medos estão relacionados com a vida, não com a morte.
Tenho medo de não estar cumprindo o propósito dessa viagem. Tenho medo de estar fazendo ou deixando que se faça mal ao projeto divino da criação, de que somos executores. Tenho medo do sofrimento físico se essa ou outra doença qualquer me for muito dolorosa. Tenho medo de tornar a vida das pessoas queridas mais difícil por causa das minhas dificuldades. E por aí vai...
Isso já não é uma carga de medos suficiente para me tornar igual a todo mundo? Por que será que esses medos que declaro não são aceitos e preciso ficar sendo inquirida sobre o que escondo?
É bem possível que eu tenha muita coisa escondida em mim, mas peço paciência a quem me quer ajudar porque o que ainda escondo, escondo até de mim mesma. Decididamente não lembro onde escondi.

Um comentário:

Ana Claudia disse...

Talvez atraves deste canal "bloguistico" seja possivel tentar tatear um pouco esse "esconderijo perdido", que no fundo todos nos temos. Bonne chance!